Ford Desliga a Tomada da F-150 Lightning e Conecta-se aos Data Centers

Em uma decisão que pode ser resumida pela lógica mais pura, a Ford acionou o comando `CTRL+Z` em seus planos para veículos elétricos de grande porte. A montadora anunciou oficialmente o fim da produção da picape F-150 Lightning totalmente elétrica, citando uma equação simples: se a demanda é baixa e os custos são altos, então o projeto é inviável. Em seu lugar, a empresa não apenas lançará uma versão com um gerador a gasolina, mas também fará um pivô de 180 graus, investindo bilhões para se tornar uma fornecedora de baterias para a infraestrutura mais faminta por energia do século XXI: os data centers de IA.

A Promessa Elétrica e a Dura Realidade

A Ford foi explícita sobre os motivos por trás da mudança. Em um comunicado, a empresa afirmou que “não planeja mais produzir veículos elétricos maiores selecionados, onde o caso de negócio se erodiu devido à demanda menor que o esperado, altos custos e mudanças regulatórias”. Traduzindo do corporativês: o produto não estava vendendo como o esperado para justificar o investimento. Segundo dados do TechCrunch, a Ford vendia cerca de 7.000 unidades da Lightning por trimestre, um número insuficiente para sustentar a ambiciosa aposta.

A reestruturação não sairá barata. A companhia prevê um impacto financeiro de US$ 19,5 bilhões para remodelar sua estratégia de EVs, com US$ 5,5 bilhões em despesas de caixa a serem executadas até 2027. Este movimento também significa o cancelamento de outros projetos, como o caminhão elétrico de próxima geração, internamente chamado de “T3”, e uma nova van comercial elétrica.

O Plano B: Gasolina para Gerar Eletricidade

Para os clientes que ainda desejam uma F-150 com motor elétrico, a solução da Ford é um meio-termo. O substituto da Lightning será um “veículo elétrico de alcance estendido” (EREV). Na prática, é um carro elétrico que carrega a bordo um gerador a gasolina. A função do motor a combustão não é mover as rodas, mas sim recarregar o pacote de baterias, que por sua vez alimenta os motores elétricos. De acordo com Doug Field, chefe de EV, digital e design da Ford, esta nova versão terá uma autonomia estimada de mais de 700 milhas (cerca de 1.126 km) e a capacidade de reboque que, segundo ele, os clientes consideram “não negociável”.

Se a premissa é que o cliente não abre mão de rebocar cargas pesadas por longas distâncias, então a conclusão lógica da Ford é que a tecnologia de bateria atual, sozinha, não é a resposta para esse público. O resultado é um veículo que tenta oferecer o melhor dos dois mundos: o torque instantâneo do motor elétrico sem a ansiedade de autonomia.

Das Picapes aos Data Centers: A Nova Mina de Ouro da Ford

A parte mais significativa dessa mudança estratégica não está nas ruas, mas nos corredores dos data centers. Com a capacidade de produção de baterias para as EVs de grande porte agora ociosa, a Ford viu uma nova oportunidade. A empresa anunciou um investimento de US$ 2 bilhões para converter sua fábrica no Kentucky. Em vez de baterias para picapes, a planta produzirá células de fosfato de ferro-lítio (LFP) prismáticas, módulos de sistema de armazenamento de energia e sistemas de contêineres DC de 20 pés.

O alvo é claro. Conforme detalhado pela Ars Technica e pelo The Register, esses sistemas são a espinha dorsal do mercado de armazenamento de energia para data centers, concessionárias de energia e grandes clientes industriais. Com a explosão da IA, a demanda por energia nesses locais disparou. Lisa Drake, vice-presidente de programas de plataforma de tecnologia da Ford, afirmou que a tecnologia LFP é a “escolha tecnológica para a maioria desses clientes”. É importante notar que, segundo o TechCrunch, a Ford está licenciando essa tecnologia da gigante chinesa CATL.

A meta da Ford é ambiciosa, mas o mercado é competitivo. A empresa planeja atingir uma capacidade anual de 20 GWh até o final de 2027. Para colocar em perspectiva, a Tesla, uma veterana neste setor, já implanta cerca de 10 GWh por trimestre. A Ford está entrando em um jogo onde outros já têm uma vantagem considerável.

No final das contas, a Ford está aplicando uma lógica de negócios implacável. A equação da F-150 Lightning 100% elétrica retornou `false`. A empresa, então, buscou uma nova variável — a demanda energética da IA — e aposta que, desta vez, o resultado será `true`. A gigante automotiva está trocando a incerteza do consumidor de picapes elétricas pela certeza da fome insaciável de energia dos algoritmos.